Não há dúvidas que a fase de Alan Moore à frente do Monstro do Pântano
foi crucial para firmar o personagem como um dos mais importantes do universo
DC. Nosso colaborador Giulianno de Lima Liberalli continua suas observações
sobre essa aclamada fase.
A vida do Monstro do Pântano se iniciou com um nascimento envolto em dor
e chamas, renascido das próprias cinzas após uma dolorosa gênese, com mais
perguntas do que respostas, inicialmente acreditando ser um homem transformado
em monstro devido a um bizarro acidente do destino para descobrir que não
passava de uma tentativa de uma planta caminhar com forma e consciência copiada
de um homem cujo corpo nem existe mais. Como se isso não fosse suficiente,
ainda se torna alvo da perseguição de um louco militar sedento pelos seus
poderes vegetais e também da vingança de um místico das artes negras
sentenciado ao inferno e, em meio a esse turbilhão, descobre que existe um
propósito maior em sua nova vida, mais do que ser simplesmente um bizarro
fenômeno da natureza. Se para você tudo isso já é suficiente para acabar com a
alma de qualquer um, Alan Moore pensou diferente de nós, pobres mortais, e
lançou o Monstro em uma jornada sobrenatural por lugares aonde poucos
sobreviveriam, do mundo físico dos homens ao limbo etéreo das almas.
A reformulação de Moore já rendia bons frutos para a revista do Monstro
do Pântano, o nível das histórias subia a cada edição com o talento artístico
de Stephen Bissette e John Totleben nos desenhos transpondo para as páginas em
requintados detalhes a áurea sinistra criada nos textos desse mestre. Fomos
transportados do clima de ficção das histórias anteriores para o sobrenatural
com uma naturalidade tão grande que era como se esse elemento sempre estivesse
ali, nos cantos, esperando sua deixa para entrar em cena e transformar o título
em uma obra de horror moderna das histórias em quadrinhos. Cabe aqui uma rápida
referência ao trabalho desses dois grandes artistas, pois se não fosse por eles
talvez o sucesso não fosse o mesmo e, para dar uma noção disso, quando a arte
da revista estava nas mãos deles foi vencedora do Kirby Awards por três anos
seguidos nas categorias de Melhor Série Continuada, Melhor Conjunto de Artistas
e Melhor Arte-Finalista.
Durante os acontecimentos da batalha envolvendo o Monstro, Etrigan e o
Rei Macaco, uma entidade maligna que assumiu uma estranha ligação com um menino
com problemas psicológicos que estava em tratamento na instituição aonde Abby
trabalha, vemos a evolução do descontrole dos dons de Matt Cable devido a suas
crises de ciúme e bebedeira causadas pela crescente ligação entre Abby e Alec.
Matt havia desenvolvido o dom de
conjurar criaturas demoníacas e controlá-las
para satisfazer suas vontades e Arcane se aproveitou dessas fraquezas para
possuir seu corpo e iniciar uma vingança contra Alec, tamanha a maldade e a
sede de vingança de Arcane que nem se importou em sacrificar Abby, sua
sobrinha, para atingir o Monstro. Mesmo transtornado pela morte de Abby, ele
consegue derrotar Arcane se aproveitando do fato de que ele não possuía
conhecimento sobre as recém descobertas ligações do Monstro com o mundo verde e
que a consciência de Matt ainda tinha algum poder sobre o seu corpo possuído,
Matt consegue despachar Arcane para as profundezas, porém não consegue reverter
o mal causado por Arcane e a alma de Abby é condenada às profundezas. Isso leva
o Monstro a descobrir que, se suas capacidades podem levar sua consciência pelo
mundo etéreo do verde, elas também podem fazer com que ele desça a outros
níveis de existência e o Monstro parte em espírito para o mundo dos mortos em
busca da alma de Abby Cable. Essa história é narrada no Anual do Monstro do
Pântano nº 02, com as participações do Desafiador, Vingador Fantasma, Etrigan e
Espectro e o talento desse time de artistas nos brinda com um dos mais belos
momentos das histórias em quadrinhos aonde acontece até um encontro da alma de
Alec com o Monstro, emocionante até o belo final que mostra o sucesso da missão
com o retorno de Abby para o mundo dos vivos.
A vida segue para o Monstro e Abby, cada vez mais próximos. Matt ficou no
hospital em coma se recuperando dos eventos pós-possessão e, para todos os
demais, o que aconteceu com ele foi um mero acidente de carro. Moore começa a
dar mais pistas sobre a verdadeira natureza do Monstro em uma história especial
na edição 33 em que Abby sonha com a Casa dos Mistérios e a Mansão dos Segredos
e os irmãos Caim e Abel, condenados a passarem a eternidade em um ciclo de
morte e renascimento com Caim matando Abel e Abel sempre ressuscitando para ser
morto logo em seguida por um acesso de fúria do seu irmão, o primeiro
assassino. Abel revela para Abby o segredo por trás do Monstro do Pântano e
temos a primeira origem do Monstro com a identidade de Alex Olsen reproduzida,
até a capa é uma homenagem a revista onde foi contada a origem do Monstro pela
primeira vez. O segredo sobre a verdadeira natureza do Monstro é revelada: ele
faz parte de uma antiga linhagem de elementais do verde, homens escolhidos pelo
poder do verde para serem avatares da natureza e agirem em proteção da vida
vegetal do planeta. E finalmente Abby e o Monstro se declaram apaixonados um
pelo outro celebrando os ritos da primavera.
Mas o que eles não sabem é que uma movimentação nas trevas causada por
um grupo de bruxos tão antigo quanto o homem estava se tornando cada vez mais
poderosa, a Brujeria, provocando distúrbios paranormais por todo o continente
no intuito de elevar o medo do sobrenatural da população, aumentar seus poderes
e conjurar a ascensão do mal original, a própria raiz das trevas. Assim começa
Gótico Americano, uma das mais elogiadas fases de Alan Moore a frente das
histórias do Monstro do Pântano, essa saga introduz no universo DC aquele que
se tornaria o personagem mais famoso do futuro selo Vertigo da DC e uma das
maiores criações de Alan Moore: John Constantine. Após um infeliz encontro com
um tipo de ‘homem radioativo’, o Monstro tem seu corpo destruído e tenta
recriar um novo do zero, paralelo a isso Constantine está viajando entre
Londres e a América recolhendo dados dos seus amigos sensitivos que mostram a
evolução dos planos da Brujeria afetando o
inconsciente e o misticismo do
planeta. Constantine arquiteta um plano para tentar impedir o retorno das trevas
originais e a participação do Monstro do Pântano é essencial para o sucesso da
empreitada, mas para isso Alec precisa dominar novas habilidades e buscar uma
compreensão maior da função do mal na natureza. Do seu jeito peculiar,
Constantine leva o Monstro a enfrentar ameaças sobrenaturais como zumbis,
fantasmas, lobisomens e vampiros aprendendo que sua consciência pode viajar por
todo o planeta e assumir qualquer forma baseada em vida vegetal que quiser, até
mesmo a partir de uma simples flor ou semente e o Monstro entende que tudo o
que já conhecia sobre si mesmo era apenas o começo. O mais importante passo
nessa jornada pelo autoconhecimento e o horror se dá nas profundezas da
Floresta Amazônica onde Alec é apresentado pela primeira vez ao Parlamento das
Árvores, o local sagrado aonde os avatares do verde se recolhem para descansar
seus corpos e unir seu conhecimento ao coletivo do verde. Em comunhão com suas
grandes mentes, o Monstro recebe orientações sobre a natureza do mal e a sua
missão como avatar, apesar de não entender no início, esse conhecimento vai se
provar crucial para a vitória na grande batalha da luz contra as trevas mais a
frente.
Essa fase ocorreu durante o mega evento da editora, Crise Nas Infinitas
Terras, e tem passagens memoráveis como um encontro do Monstro e Constantine
com Batman durante um tumulto em uma cidade envolvida pelo caos temporal que a
Crise causou e uma rápida passagem pelo satélite do Monitor aonde se encontram
com Alex Luthor e com vários heróis reunidos traçando uma ofensiva contra o
avanço do Anti-Monitor. A ofensiva final contra a Brujeira se dá em duas
frentes: no plano físico Constatine reúne vários místicos para gerar uma
conexão mística com o Monstro e as forças do paraíso e do inferno que se
aliaram contra a ascensão das trevas e na fronteira do mundo inferior aonde o
Monstro se reúne com o Vingador Fantasma, Desafiador, Etrigan, Espectro e os
exércitos do bem e do mal contra a entidade maligna que está retornando para
destruir a criação. Envolvido na batalha, o Monstro não sabe que Abby foi
detida porque surgiram fotos de sua relação com ele nos pântanos e o escândalo
que isso causou quando chegou aos jornais. Mas ele só tomaria ciência disso
quando retornasse ao mundo físico após o fim da batalha entre a Luz e as Trevas
que encerra a fase do Gótico Americano, porém isso não significa o fim da fase
de Alan Moore.
Para quem está acompanhando a Saga publicada pela Panini e que está
atualmente no quarto volume, se eu me adiantar a partir desse momento vou
entregar o que vem depois desses acontecimentos nos próximos dois volumes e
certamente darei spoilers que podem estragar algumas surpresas para quem nunca
leu essa saga falando sobre as várias participações especiais que acontecem nas
próximas histórias, só posso adiantar que é uma fase sensacional que caminha
para o final da avassaladora passagem de Alan Moore pela vida do Monstro do Pântano.
“Lágrimas escorrem... Eu fecho os olhos. E quando volto a abrir... Abby
ainda está morta.” – Monstro do Pântano.
Por Giulianno de Lima Liberalli
Colaborador do Planeta Marvel/DC
Leia aqui a primeira parte da saga.
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