Apesar do início promissor, a história do Monstro do Pântano teria um
triste final se não fosse pela chegada de certo escritor britânico. Nosso
colaborador Giulianno de Lima Liberalli nos mostra como essa mudança foi vital
para a sobrevivência do título.
O título do Monstro do Pântano andava mal das pernas, mesmo com um filme
lançado sobre o personagem reacendendo a curiosidade dos leitores, o
afastamento dos seus criadores, Len Wein e Berni Wrightson, causou um dano
sério à qualidade das histórias. Os escritores que os sucederam não conseguiram
(ou não empreenderam esforços maiores) fazer com que o título tivesse o mesmo
brilho do início, uma verdade meio chata que existe nesse meio é que muitas
vezes alguns personagens que não pertencem ao primeiro time da editora acabam
não recebendo um trabalho realmente bom e entram na rota do cancelamento.
Podemos citar o Demolidor como exemplo, antes da chegada de Frank Miller ao
título, ele estava às portas do cancelamento devido aos baixos números de
vendas, assim como o Hulk antes de Peter David, o escritor mesmo admitiu que,
quando recebeu a proposta de escrever a revista do Hulk, ninguém estava
querendo assumir o título.
A produção de Wes Craven conseguiu trazer a revista do Monstro de volta
para as bancas, mas Bernie Wrightson tinha deixado os desenhos depois das dez
primeiras edições, Len Wein, desmotivado com o afastamento do colega de
trabalho, saiu três edições depois sendo sucedido por David Michelinie e Gerry
Conway até o cancelamento. Com o fôlego dado pelo filme, Wein, agora editor,
deixou as histórias nas mãos do roteirista Martin Pasko, porém os números não
melhoraram. Apareceram novos personagens, aliens e um novo vilão para perseguir
o monstro: o general Sunderland, seu interesse nos poderes do Monstro e em
descobrir como funcionavam o levaram a caçá-lo pelo país. Pasko decidiu se
afastar também a partir do número dezenove, deixando Wein na busca de um novo escritor
para salvar a revista.
Paralelo a tudo isso, Wein estava acompanhando o trabalho de um escritor
britânico em Warrior e 2000 AD, interessado pela qualidade dos seus argumentos,
Wein conseguiu entrar em contato com ele para oferecer o Monstro do Pântano,
ele disse que assumiria o título, mas tinha propostas para o personagem e as
apresentou para Wein, que aceitou sentindo o potencial das ideias dele para o
Monstro, seu nome: Alan Moore.
Assim, a partir do número vinte da revista e com uma história cujo
sugestivo título era ‘Pontas Soltas’, a mudança que iria marcar para sempre a
vida do Monstro do Pântano começou. Alan Moore pegou o título do ponto aonde o
escritor anterior tinha parado para resolver alguns detalhes com os quais não
concordava para dar fechamento a essa fase e amarrar as pontas soltas que
estavam na vida do personagem. Em uma única história, Alan deu destino aos
coadjuvantes criados durante a fase anterior, Alec constata que realmente
Arcane morreu depois do seu último confronto, deixou pistas que os poderes
sobrenaturais de Matt Cable o levariam por caminhos sinistros, deixando Abby
Cable a mercê de um marido alcoólatra e perigoso e fez o Monstro ser emboscado,
‘morto’ e capturado pelo general Sunderland, sendo levado para uma instalação
de pesquisas para ser dissecado e analisado. Dessa maneira, Alan conseguiu
criar o momento certo para o começo de uma nova linha narrativa para o Monstro,
aonde sua natureza seria descoberta e expandir, muito, os conceitos sobre as
habilidades e os poderes de Alec.
Sunderland contratou Jason Woodrue, o Homem Florônico, para fazer a
autópsia de Alec e descobrir como seu corpo funcionava e determinar o que movia
a criatura dos pântanos, na clássica história ‘A Lição de Anatomia’. Durante
semanas Jason trabalhou no corpo até descobrir que o Monstro do Pântano não era
Alec Holland, o cientista transformado em monstro, mas uma planta, um complexo
organismo vegetal inteligente que absorveu a consciência de Alec no momento de
sua morte e criou um ser poderoso e resistente. Sua descoberta era simples:
quando Alec caiu em chamas no pântano e morreu, organismos vegetais absorveram
seus restos e criaram um ser humanoide vegetal copiando todos os órgãos de um
ser humano normal e o seu funcionamento em todos os sentidos, até mesmo a
consciência e as memórias de Alec foram copiadas e integradas à criatura, daí o
fato do Monstro ter inteligência e identidade, o raciocínio é básico: o pântano
se alimentou do corpo morto e queimado de Alec e o copiou na forma do Monstro.
Simples, porém genial, porém o general não aceitou a descoberta e dispensou
Woodrue, mas o que ele não contava era que Alec ainda estava vivo, quando
despertou e tomou conhecimento das descobertas de Woodrue, ele fez com que o
ambicioso general pagasse com a própria vida.
Nessas duas histórias, Alan Moore redefiniu o personagem, deu um
entendimento científico para sua origem, tirou os fatos da área do ‘acidente
que causou a criação do herói’ que é o mais comum nas origens de heróis
poderosos como o Homem-Aranha e o Hulk. Quando tudo ganhou mais sentido, um
novo universo se abriu para o Monstro do Pântano, sua existência como defensor
da vida vegetal e da Terra ficou mais clara não só para ele como para todos os
outros heróis que tomaram conhecimento da sua existência e o verde passou a ser
visto como uma gigantesca teia que interliga todas as criaturas da natureza,
como uma internet do verde aonde uma espécie da Austrália pode fazer conexão
com uma espécie da África, trocando informações e transmitindo
alertas. Podemos
ver esse entendimento quando Woodrue consome um pedaço do Monstro, um fruto por
assim dizer, por ter propriedades comestíveis e estabelece conexão com essa
gigantesca rede, toma a humanidade como inimiga e decide vingar o verde pelos
maus tratos sofridos, levando-o a um confronto direto com o Monstro que,
chocado com a descoberta de não ser realmente Alec Holland, decidiu ficar em
uma espécie de estase, se entregando a natureza acreditando não passar de uma simples
planta até que Woodrue se mostra uma ameaça maior. O confronto entre os dois é
assistido por uma atônita Liga da Justiça que percebe que, mesmo com todos os
seus poderes, não tem como impedir a fúria da natureza, nem de alguém que a
pode controlar.
Depois disso, o Monstro abraça sua nova existência e decide seguir
vivendo e descobrindo mais sobre a sua natureza e os seus dons, evoluindo como
os demais seres vivos, até que, em uma emocionante história, o espírito de Alec
Holland pede que o Monstro encontre seus restos mortais escondidos no pântano
para dar um enterro digno e um descanso final para o sofrido cientista. No
entanto, outro elemento que viria a marcar a série e mudar o tom das histórias,
levando o título a crescer mais e mais na atenção dos leitores, estava
chegando: o sobrenatural. Se o talento de Alan Moore para reconstruir a
natureza do personagem ficou mais do que definido nesse início, ao introduzir o
sobrenatural na série, um novo nível foi dado para a série, um amadurecimento
(com o perdão do trocadilho) que uniu o gênero dos heróis ao terror com uma
facilidade poucas vezes atingida. Em um encontro memorável com Jason Blood, o
Etrigan, o Monstro tomou conhecimento de que havia perigos maiores
escondidos
na natureza humana e que, inevitavelmente, acabariam por jogar a ele e Abigail
Cable em uma série de eventos sobrenaturais que colocariam a vida de ambos em
risco, sem terem noção de que, de tão envolvidos que estavam nessa cadeia de
acontecimentos, um inimigo dado como morto estava só esperando uma brecha para
usar um depressivo e descontrolado Matt Cable para os seus propósitos macabros:
Anton Arcane. É mais um ponto em que as
narrativas de Alan Moore me cativaram, seus textos são grandes, intrincados e
inteligentes, mas nunca cansativos, como uma música que se inicia com tons
simples e agradáveis até atingirem notas maiores e complexas que mexem com a
imaginação, assim ele fez com o personagem: tirado de uma concepção simples e
gradativamente levado a patamares maiores, as histórias do Monstro do Pântano
foram se mostrando partes de uma trama maior e mais sinistra, a sequencia de
possessão de Matt por Arcane é angustiante e quando Abby acredita que tudo está
bem entre ela, Matt e Alec, é só o prelúdio de um horror ainda maior
profetizado no aviso deixado por Etrigan após o confronto com o Rei Macaco,
quando ele avisa Abby que a entidade tinha sido liberada por outra mais
perigosa ainda. Essas são as peças inicias da trama mais envolvente escrita
para o Monstro até então: Gótico Americano, uma jornada pelo sobrenatural
escondido nos recantos da América intercalada com a mega saga Crise nas
Infinitas Terras que nos daria mais um grande personagem para o Universo DC:
John Constantine. A mente de Alan concebeu uma série de eventos que se
tornariam um clássico das HQs, com momentos como a morte de Abby Cable causada
por um vingativo Arcane que condenou sua alma ao inferno e a jornada do Monstro
para resgatá-la e é nesse ponto que vou me concentrar para a próxima parte
dessa série de artigos sobre o Monstro do Pântano.
“Ele está aí... Sei que está. E sei que agora... Ele sorri. Mas eu não...
Olho para trás.” – Monstro do Pântano
Por Giulianno de Lima Liberalli
Colaborador do Planeta Marvel/DC
2 Comentários
Não sabia que a revista do Monstro do Pântano estava para ser cancelada antes da chegada de Alan Moore. Também me fez lembrar do Demolidor antes de Frank Miller e até dos X-Men antes de Giant Size X-Men #1. Cheguei a ler essa primeira história do Moore à frente do Monstro do Pântano em algum formatinho da Abril (não lembro se era Super Powers ou Superamigos, ou talvez algum outro). Achei "estranho" na época, talvez ainda não tivesse idade ou maturidade suficiente para apreciar a obra. Mas agora quero ler toda essa fase clássica.
ResponderExcluirRoger, como somos praticamente da mesma geração, eu tenho uma visão das histórias do Monstro hoje diferente da que eu tinha quando comecei a ler em uma Superpowers da Abril, a primeira edição que li e me chamou a atenção sobre ele, que pegava justamente Matt possuído por Arcane e levando o Monstro ao desespero por condenar a alma de Abby ao inferno, depois disso foi correr para os sebos atrás de toda hq que podia achar sobre ele e, hoje, lendo os encadernados da Panini só posso dizer que são como o vinho, melhoraram muito com o tempo. Abraços!
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